quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Uma Parada Na Estrada

– Cara! – Diz Fernando, quebrando o silêncio da viagem, para Michael que dirige o velho chevette pela estrada que beira um rio  – Preciso ir ao banheiro.
– Aqui não tem banheiro – Michael vira rapidamente para Fernando e volta seus olhos para a estrada novamente.
– Tem árvores e a droga de um rio. Não falta é lugar pra mijar!
– Tu disse que queria um banheiro.
– Foi só uma expressão, cara.
Eles permanecem calados por um breve momento, Fernando mantem os olhos em Michael que continua a dirigir pela estrada deserta.
– Cara! Eu preciso mijar! Para a droga do carro! – Grita Fernando.
– Tu não pode esperar a gente chegar no shopping?
– Porra, tô apertado! – Grita novamente Fernando.
– Por que tu não mijou antes de entrar no carro? – Michael olha mais uma vez para Fernando, mas volta sua atenção novamente para a estrada.
– Tava sem vontade – Fernando coça com a mão esquerda o seu pequeno cavanhaque loiro e mantem os olhos firmes em Michael, que continua a dirigir – Porra! Para a droga do carro! Tô apertado cara!
– Aqui pode ser perigoso, tem certeza que não consegue segurar?
– Vou mijar na droga desse carro.
– Tá bom, tu venceu, mas tu vai ter de esperar eu fumar um também.
Michael encosta o carro na lateral da estrada que beira um matagal. Fernando abre a porta e sai correndo em direção ao rio e lá começa a depositar toda a sua podridão. Michael abre o porta-luvas e retira um pequeno saco com um cigarro de maconha e um isqueiro, ele olha para o banco traseiro e observa que a jovem loira continua desacordada. Sai do carro, senta no capô do chevette e começa a desfrutar do baseado, observando o pôr-do-sol.
Fernando tentou acertar um sapo com o seu mijo, mas a criatura foi mais rápida. Ele volta e senta ao lado de Michael no capô, que lhe passa o baseado.
– Porra – Fernando puxa e solta a fumaça da droga lentamente – Não sabia que tu, maior negão, curtia um baseado.
– Quando eu era PM, fechava com os caras de uma boca, eles davam 50 conto por dia mais alguns baseados pra eu e uns parceiros deixar eles com o comércio.
– Eu tinha um brother que arrumava pra mim e uns amigos. – Fernando dá mais uma tragada e devolve o baseado para o ex-Policial Militar.
– Não tinha coragem de subir o morro não? – Aperta o baseado.
– Só subi uma vez, mas nem era pra maconha, queria pó.
– Porra – Solta a fumaça – Pó, cara? Só natural pra mim.
– Naquela época eu era doidão. Tomava até umas “balinhas” nas raves.
– Rave? Isso é coisa de gente rica! Fazia o quê da vida antes do mundo acabar?
– Meu pai tinha uma empresa. Me passa o baseado. – Michael entrega o baseado para o filho de burgueses.
– Morava em copa?
– Não – Aperta o baseado, que já está no final. – Barra.
– Caralho! – Michael cruza os braços e encara Fernando – Vidinha difícil, hein!
– Mas agora a vida é mais legal. O dia de amanhã pode nunca chegar, e eu nem preciso me drogar pra correr esse risco, o mundo já tá doidão. – Aperta mais uma vez o baseado que já se encontra no seu fim.
– Gostava mais dos meus dias na prisão. Deixa essa ponta aí pra mim.
– Toma. – entrega para Michael.
– Valeu. – Puxa toda a ponta do baseado e atira para longe com um peteleco o resto. – Não era uma cadeia comum – ele solta a fumaça lentamente, desfrutando do prazer da droga – era uma cadeia só para militares, não era aquela bagunça que a gente via na tevê.
– Saquei... – Fernando balança a cabeça em sinal de positivo e observa as nuvens com o brilho alaranjado do entardecer – Essa loira aí é maior gostosa, pessoal da gangue vai pirar nela.
– Com esse caos aí, foi maior sorte encontrarmos ela assim, tá meio suja, mas a gente lava ela antes de dar um trato.
– Não vejo a hora disso! – Fernando olha para dentro do carro, para ver novamente a loira. – PUTA QUE PARIU! – Berra.
– Que foi cara? – E Michael se vira e olha para dentro do carro, está vazio. A porta do carona está aberta, ela fugiu.
– A vadia meteu o pé! – Se levanta e corre em direção à porta aberta, somente para ter certeza do fato.
– Como?! Ela tava drogada! Tu tem certeza que enfiou a seringa direito na veia dela? – Michael agora se põe de pé e começa a olhar para o matagal.
– Porra! Tu tava segurando ela quando enfiei o treco no braço dela. Tu até soltou ela. A vadia correu um pouco e depois caiu. – Fernando também olha para o matagal, procurando com os olhos algum sinal da jovem loira.
– Vamos deixar ela pra trás e meter o pé. – Michael abre a porta do motorista.
– Ela não deve estar muito longe – Fernando enxerga uma trilha, aponta pra ela, se vira e encara Michael – Ali! Uma trilha! Dá pra encontrar ela.
– Vai anoitecer daqui a pouco e eu não quero entrar nesse mato aí com você.
– A cara, qual foi. Não tem nada demais aqui, é só um matagal. Não tem nada!
– E se tiver?
– É pra isso que andamos armados. – Fernando retira da cintura uma pistola automática. – Viu? Com uma dessa não há o que temer!
– Tudo bem, vamos atrás dela então, mas antes deixa eu pegar uma arma de verdade. – Michael vai até o porta-malas do carro, ele o abre e no meio de diversos itens de mercado ele retira uma escopeta de calibre 12 que ainda possui um brilho de nova.
– Acho que nunca deram um tiro com ela.
– Um tiro dela mata qualquer coisa que aparecer nessa mata.
– Vamos então?
– Vamos! – Michael fecha a mala do carro e deixa as portas destrancadas, para caso necessitem fugir as pressas, mas leva a chave consigo. Fernando deixa o seu parceiro ir à frente e adentram a mata pela trilha próxima ao carro.

O matagal não é tão fechado como se imaginava. Há poucos metros da estrada a trilha já aumenta de largura e ambos poderiam andar lado a lado, mas Fernando prefere que o companheiro que possui alguma habilidade real com armas fique na frente. Seguem a trilha em silêncio e evitando fazer algum barulho, Michael tem a escopeta pronta para disparar em qualquer coisa que aparecer a sua frente. Caminham por um longo período e não encontram nenhuma pista da jovem loira. Dessa vez é Michael que decide quebrar o silêncio.
– Vamos voltar.
– Por quê?
– Daqui a pouco escurece e não encontramos nenhum sinal dela. – Michael encara seriamente Fernando.
– Porra, tu queria encontrar pegadas ou pedaços de roupa no meio dos galhos? Isso não é um filme americano cara!
– Vamos embora!
– Ah cara, não podemos deixar ela aqui. Deu maior trabalho pra pegar essa vadia pra ela sumir assim.
– Esse matagal é enorme, não vamos encontrar ela aqui nunca!
– Logo quando eu achava que ia me dar bem, isso acontece. Porra, Deus! Não basta você acabar com a porra do mundo e você some ainda com a gostosa?
– Deus não tem nada a ver com isso, cara.
– Claro que tem. Se Ele quisesse o mundo não estaria assim! Eu só queria trepar com a droga daquela loira!
– Você acredita em Deus?
– Bem, meu avô era judeu, ele veio – Antes de prosseguir com o que dizia Fernando se cala e olha para o lado esquerdo – Escutou?
– Escutou o que?
Um grito, agora realmente alto, corta o matagal. Michael se vira para a direção que Fernando olha. Ambos se olham e correm na direção em que veio o grito. Parecia mais um gemido de dor do que um grito. A dupla atravessa o matagal, saindo da trilha, pulam um tronco caído e encontram um barranco, lá embaixo está a jovem loira caída no chão com um dos pés entrelaçados em galhos e folhas, parece estar presa.
– Olha lá a vadia! – Diz Fernando apontando pra ela com a arma e já se preparando para descer o barranco, quando a mão forte de Michael segura seu ombro.
– Espera, olha ali. – E com a escopeta aponta para outro lugar lá embaixo.
Um homem, de passos lentos, se aproxima da loira da melhor forma que pode, sua coordenação motora é horrível, as roupas estão todas rasgadas e imundas. Seus braços estão erguidos em direção à loira, a ponta de seus dedos parecem garras em direção a sua presa. Seu rosto está cadavérico, não há lábios, somente os dentes sujos sorriem eternamente. Os olhos parecem cegos, mas enxergam muito bem. Ele solta um leve gemido a cada passo.

– É um morto-vivo! – Diz Michael.
– É “Zumbi” – Fernando desenha as aspas com as mãos – Nunca viu um filme?
– Sempre odiei filmes de terror, gostava de ver os filmes do Bruce Willis.
– Bruce Willis? – Fernando olha agora para Michael, que ainda admira os lentos passos do zumbi. – Esse cara não tem um filme que preste!
– “O Quinto Elemento” é um dos melhores filmes que eu vi.
– Tá bom! Tá bom! Vamos matar o zumbi ou não?
– Mata você.
– Por que eu?
– Foi você que quis vir atrás da loira.
– Daqui não dá pra mirar direito...
– Desce, chega perto e atira. Fácil.
– Tudo bem, eu mato ele.
Fernando desce o barranco e se aproxima do zumbi que estava a meio caminho da loira. A criatura agora muda de alvo e segue em direção ao filho de burgueses. Ele aponta a arma e encara a criatura nos olhos, um frio percorre toda a sua espinha, hesita por algum momento, quando de repente a cabeça e os ombros do morto explodem espalhando miolos e pedaços de carne por toda a parte, inclusive em Fernando. Michael estava logo a trás dele e despedaçou a criatura com a sua arma.
– Qual o seu problema, cara? – Fernando passa a mão no rosto e retira parte dos pedaços da criatura.
– Sabia que tu não ia ter coragem. – Um pequeno sorriso é perceptível nos lábios de Michael.
– Eu ia matar um dessa vez!
– Porra nenhuma!
– Eu já iria disparar...
Michael ignora a últimas palavras de Fernando, e se aproxima da jovem loira que está com o pé preso entre raízes, galhos e folhas. Ela arregala os olhos, talvez esteja com mais medo desse enorme homem negro do que do zumbi. Um ser humano pode ser muito mais cruel do que qualquer pesadelo de filme de terror.
– A gente tem alguma coisa pra amarrar ela? – Diz Fernando que ainda está parado no mesmo local se limpando dos miolos do zumbi que estão grudados em seu corpo.
Não há resposta, Michael agora de frente para a jovem, que continua com os olhos arregalados de pavor, desfere uma coronhada com o cabo da escopeta na cabeça da loira, que já estava no chão, e fica inconsciente.
– Belo golpe. – Tenta mais uma vez Fernando puxar conversa e se aproxima ainda sujo, porém fez o melhor que pode para se limpar.
– A gente leva ela de volta para o carro e acaba com isso.
Michael, com as mãos, quebra os galhos que prendiam o pé da jovem e a ergue do chão colocando-a em seu ombro. Fernando somente observa a força física de invejar do companheiro e ambos dão a volta no barranco e seguem de volta pela trilha para o carro.
Já começa anoitecer e ambos seguem pela estrada, passando por cenários apocalípticos diversos: Carros batidos, casas destruídas, lixo pelas ruas, cadáveres espalhados... Até que chegam a um pequeno shopping de alguma cidade, alguns homens fazem guarda em um portão de ferro, e, ao se aproximarem com o carro, eles o abrem e o deixam entrarem no pátio do shopping.

Fernando e Michael descem do carro, o ex-PM retira a mulher do veículo e a carrega para dentro do shopping, que é a casa de seu grupo de sobreviventes do apocalipse. Ele é somente um entre os muitos que vivem ali. E ela, será mais uma, entra as muitas amantes que eles mantem somente para se divertirem nas horas vagas. O que eles não sabem, é que por de debaixo da camisa ela esconde uma mordida e nas próximas horas irá se tornar um zumbi. Será à noite, poucos estarão acordados e preparados. Zumbis podem ser lentos, mas são silenciosos. Como Fernando disse “O dia de amanhã pode nunca chegar”.

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Não é "Nossa! Que história foda". Precisava escrever um conto para tentar participar de um projeto/curso, foi o melhor que consegui fazer com poucos dias para entregar ele dentro do prazo. Não sou tão fã de zumbis, mas assisto The Walking Dead e já assisti outros filmes de zumbis, tentei criar algo que acho que aconteceria no mundo real. Contei com a ajuda de alguns amigos pessoais para revisar o texto, afinal não podia contar só com as minhas próprias correções. Bem, espero que as poucas pessoas que ainda acessam o blog gostem.

Um comentário:

Alex disse...

Vamos transforma-lo num curta? XD
Muito bom, cara.